Friday, December 15, 2006



Não me chame de mulher


Não me chame de mulher, pois não irei acreditar. Não tenho tanta confiança, não sou tão madura, não cresci o bastante, ainda sou muito cabeça dura. Não sei medir consequências, com nada me envolvo ou me empenho, então não me chame de mulher, porque de mulher eu nada tenho.

Não me chame de mulher, senão poderei chorar. Pois ainda sou uma criança, faço tudo errado e nunca procuro aprender. Não trabalho e nem quero, não estudo e nem me esforço, não procuro experiências, mas tenho toda a sciência de que um dia precisarei começar. Meu dinheiro não tem bolso, ele voa sem me consultar, não sei economizar, não sei nem o que é não gastar. Meu bolso não tem dinheiro, porque não tem tempo de se assentar, sai direto das mãos de quem me dá para àquilo que vou comprar. Então não me chame de mulher, porque se eu fosse mulher, é você quem iria me sustentar.

Não me chame de mulher, pois de mulher não tenho nada. Mulher de verdade batalha, mulher de verdade é guerreira. Eu fujo de todas as guerras, evito todas as barreiras. Prefiro ficar sentada, prefiro ficar parada, prefiro não fazer absolutamente nada... do que ter que suar para atravessar grandes fronteiras. Se tenho sonhos, não realizo. Se tenho direitos, não reivindico. Se tenho regalias, não preciso. Ou tenho preguiça de precisar. Tenho preguiça de aceitar. Até mesmo tudo aquilo que recebo de mão beijadas, de mãos amadas, até mesmo tudo aquilo que, para receber, não tive que levantar um dedo, não tiver que pedir, não tive que fazer nada.

Não me chame de mulher, pois a mulher é minha rival. Mulher verdadeira é sensual, é sedutora, mulher de verdade é quem manda, é quem obriga, é mulher que faz homem sofrer. Mulher de verdade é quem implica, quem argumenta, mulher de verdade é ciumenta, mulher que homem nenhum aguenta, mas não deixa de querer. E eu não sei andar mulher, não sei falar mulher, não sei agir mulher, paquero como menina, rio como menina, ajo como menina, sou rude, grude, me chute, porque não sou mulher fina.

Não me chame de mulher, senão poderia virar uma de repente. Pois mulher também pode ser inconsequente, mas mulher de verdade é independente, e isso eu nunca irei ser. Pois preciso de cuidado, preciso de ajuda, sou mimada, sou chata e abusada e fico mais ainda quando ninguem me escuta. E ninguém nunca me escuta, ninguém nunca me entende, não acreditam que sou interessante, culta e inteligente. Sou boba para todos, sou louca para outros. Para mim, sou apenas menina, apenas jovem, apenas cheia de coisas para falar, e no dia que um homem me escutar, vou segurá-lo até o fim, pois se depender de mim, esse homem eu nunca irei deixar.

Não me chame de mulher, senão irei me apaixonar. Pois tenho medo de ser mulher, tenho medo de crescer mulher, tenho medo de não mais poder rir, não mais poder chorar. Mulher de verdade é sensata, sabe quando tudo deve ser, já eu nunca decoro datas, não sei cozinhar nada, ou costurar nada, só sei que um dia tudo acaba, um dia vou desaparecer. E se você por acaso me chamar de mulher, eu poderei até gostar e tudo isso que eu não sou, irei virar e o meu medo é de nunca mais poder voltar.

Então, não me chame de mulher, pois sei que um dia eu chego lá. Um dia serei responsável, uma esposa organizada, mãe boa e amável. Um dia terei meu emprego, chegarei em casa sempre cedo, lavarei a louça, terei dinheiro sempre na bolsa, criancinhas pequenas para ninar, uma família para cuidar. Um dia irei conseguir tudo que sempre quis ter, serei a mulher que toda menina gostaria de ser, serei um exemplo, terei sempre tempo, para viver, para sonhar, para realizar. Serei tudo que você queria encontrar. Mas não serei mais uma menininha. Não falarei mais besteiras, não cometerei irresponsabilidades inocentes, não chorarei nos seus ombros, ou te ligarei de madrugada procurando consolo. Não te mandarei presentinhos, não sentirei mais saudades suas, não terei necessidade de te procurar em todas as esquinas, todas as avenidas todas as ruas. Não te darei mais sorrisos à toa, não farei mais brincadeiras bobas, não te ligarei mais todas as noites, nem procurarei te ver em cada brecha do meu tempo, não serei mais seu passatempo. Não serei mais a sua protegida, sua menina querida, seu bebê.

Então não me chame de mulher, pois um dia eu chegarei lá. Por enquanto, aproveita que sou criança, com todas os meus defeitos que um dia você irá lembrar com saudades. Aproveita que você me domina, que eu necessito de você, que você me alucina. Não espere que eu seja mulher de verdade, me queira agora, me ame agora, pois não serei para sempre, mas por enquanto, serei só sua, sua menina.


[L.F.]

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